Palestrante convidado, o psicanalista Cesar Ibrahim, falou sobre limites e o papel da família e da escola.
Por Natasha Franco – Especialista em Comunicação Estratégica Educacional
Organizado pela Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC), em parceria com a ANEC do Rio de Janeiro (ANEC-RJ), o evento Dia ANEC, realizado na manhã do dia 11 de março, no Colégio Notre Dame Ipanema – Rio de Janeiro, contou com a presença de cerca de 400 educadores, entre gestores, coordenadores, orientadores e professores, de diferentes regiões do estado. A manhã de formação teve como objetivo celebrar o início do ano letivo, fortalecer os laços entre as instituições católicas de ensino e promover o aprimoramento profissional.
Na abertura oficial, a secretária da ANEC-RJ, Celeste Silva, deu as boas-vindas e citou Paulo Freire para agradecer ao público pela presença. “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” Em seguida, foi a vez da diretora do Notre Dame, Ir. Loiva Urban, fazer a acolhida em nome da escola e felicitar o comparecimento das Irmãs da Divina Misericórdia, vindas da Polônia.
Após, Dom Roberto Lopes, responsável pelos Institutos de Vida Consagrada e Delegado Arquiepiscopal para a Causa dos Santos do Rio de Janeiro, conclamou os educadores presentes para um momento de oração e falou a respeito da importância de estarem atentos ao tema da próxima Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos de 2018, “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional’. O Bispo comunicou sobre Dom Paulo Romão ter sido nomeado responsável pelas escolas e universidades e que irá acompanhar junto às Instituições na verificação do documento preparatório do Sínodo, que contém questionário e carta do Papa Francisco aos jovens.
No início de sua apresentação, com o tema “Os desafios do nosso tempo para a Família e a Escola”, Cesar Ibrahim, psicanalista, mestre em Psicologia e especializado no atendimento a adolescente, adulto e família, instigou a plateia com diferentes abordagens sobre material humano, desenvolvido em crianças e jovens, na escola e em casa. Para ele, a cada ano, é perceptível o declínio do nível desse material recebido nas instituições de ensino. O doutor falou sobre a expectativa fantasiosa da família de que a escola se comprometerá em produzir uma felicidade permanente ao longo da vida acadêmica do jovem, como se a jornada do educando devesse ser marcada apenas por alegrias e bem-estar. Em diferentes momentos de sua apresentação, Cesar Ibrahim conclamou todos a enfrentar e desfazer esse pensamento.
O professor iniciou a palestra pela contextualização da gênese fusionada da condição humana. Em nossa espécie, ela ocorre com a fusão entre mãe e feto no instante em que se tornam uma mesma unidade. No momento em que a mulher dá à luz, acontece a divisão e surgem, portanto, dois seres autônomos. Assim, quando a criança saísse do ambiente uterino para o meio gasoso, deveria instituir-se o rompimento dessa unidade. No entanto, tal aspecto acontece somente sob o ponto de vista da matéria, uma vez que, segundo a óptica da psicanálise, não é dessa forma que se sucede.
De acordo com o especialista, quanto maior for a competência dos adultos responsáveis pela criança, maior será o desenvolvimento dela nas diferentes esferas, seja intelectual, emocional, moral ou em qualquer outro sentido. Para ele, tanto a saúde mental como a psicopatologia são experimentadas pelas crianças a partir da relação que têm com os responsáveis. “Isto se dá na medida em que os adultos propiciam esse rompimento de unidade.”
O psicanalista explicou no que consistem, especificamente, as funções materna e paterna, não necessariamente relacionadas à condição genitora. Trata-se de dois encargos que independem de gênero e laços sanguíneos, e regularmente a escola exerce cada uma deles.
A função materna, não obrigatoriamente exercida pela mãe, tem como finalidade o acolhimento para que o bebê avance na direção de sua sobrevivência biológica e, num segundo momento, no desenvolvimento de sua condição emocional e psíquica. Já a função paterna deve contestar a conjuntura de que tudo e todos funcionam em simbiose com as vontades da criança. Está diretamente ligada à condição de frustração, do não.
O especialista ressaltou a importância de se protelar a condição do desejo na criança e citou como exemplo a mamadeira, elemento medidor de caráter emocional, o qual confronta o sentimento materno de proteção. Nesses momentos, disse, o desejo manifestado pela criança acontece de forma tirânica e ainda com caráter imediatista. Para ele, quanto mais imediatista for a necessidade do sujeito de realizar seus desejos, mais infantilizado ele se encontrará na sociedade. “Atualmente, a sociedade não tem outra função a não ser satisfazer as aspirações imediatistas das crianças. Vemos constantemente crianças tirânicas.”
Para contextualizar esse cenário sócio-emocional, Cesar Ibrahim citou os personagens fictícios Menino Lobo e Tarzan. Ambos foram integrados à natureza, mas destituídos do acesso ao simbólico e à linguagem, da condição humana e da civilização. Foi nesse sentido que o especialista convocou os educadores a avaliarem as desmedidas maneiras de comportamento do suposto humano bem alimentado, educado, alfabetizado, graduado e pós-graduado de hoje, que podem ser consideradas como atitudes de selvagens. “Por isso, a função paterna é essencialmente estruturante. A internet, a TV ou o videogame são instrumentos de acesso ao mundo e ao entretenimento, mas por meio deles podemos constituir a educação dos usos e dos abusos.”
Para que o sujeito possa romper a simbiose que se inicia com a questão uterina, jovens e crianças precisam ser alimentados, mas também necessitam de cuidados no âmbito emocional. Ibrahim referiu-se simbolicamente ao “pedestal” ou “trono” em que as crianças foram colocadas, condição oriunda de variáveis históricas. Para explicar tal concepção, falou sobre “cortar o cordão umbilical”.
“É implacavelmente necessário que criança perceba o que significa o mundo real. É preciso aparelhar o jovem para o mundo tal como ele é. Partejamento vem de partir. Nos primórdios, era o pai quem fazia o parto, quem cortava o cordão umbilical. Naquela época, havia precariedade ao estabelecer vínculos sociais e novas formas de aprendizagens. Pagamos um preço altíssimo para sair dessa barbárie, dessa barreira entre a animalidade, a agressividade e a eventual violência para que fôssemos prevalentes em nosso planeta.”
Em analogia às considerações de Sigmund Freud na obra “O mal-estar na civilização”, que trata da essência da condição humana, o palestrante fez referência a equipar os jovens para uma expedição polar com trajes de banho. Metaforicamente, ele chamou a atenção do público para questões que vão além do “entronamento”. “É preciso dizer: independentemente do meu amor por você, a resposta é não. Lamento lhe dizer que cumpro o dever de desfazer essa condição megalomaníaca de satisfazer a todas as suas formas de prazer, as quais se encontram altamente disponíveis à humanidade no século 21.”
Continuou com a alusão ao criador da psicanálise quando comentou sobre as três formas de sofrimento. A primeira delas é a natureza. Mais poderosa do que todas as tecnologias existentes, ela inflige o ser humano e o castiga constantemente, como o fogo, a água e os terremotos. A segunda é o nosso próprio corpo, que é fonte permanente de prazer e de dor. Ibrahim relembrou que a adolescência, atualmente, começa mais cedo e termina mais tarde. “Jovens vivem intensamente, a partir da satisfação imediata, como o bebê com a mamadeira. O que efetiva a lucidez e o amadurecimento é a capacidade do sujeito de respeitar aquela renúncia.”
O palestrante destacou que o educador tem a função de exigir, portanto, o exercício da abdicação. Para ele, a capacidade de renúncia deve ser exercitada exaustivamente nos primeiros anos de vida. Assim, maior será a maturidade emocional do ser humano. “Qualquer relação pressupõe a permanente renúncia. Por exemplo, se cada um do casal espera, de forma tirânica, que o outro o atenda, o casamento acaba em meia hora.”
Em seguida, falou sobre a terceira forma de sofrimento. Trata-se da relação com os outros humanos, tida como a mais dolorosa de todas. “Paradoxalmente, a maior dor vem de quem mais amamos. A relação humana é marcada pela presença de uma dor quase permanente. Isto é estar no frio polar com trajes de banho. Nossas crianças precisarão lidar com o congelamento e a frigidez. Não podemos tapar o sol com a peneira. Temos que prepará-las para essa área inóspita, para o mundo lá fora.”
Segundo o psicanalista, a família espera que a escola funcione como uma extensão do “jardim de rosas” que desenhou dentro de casa, mas reiterou que não se deve aderir a esse pensamento. Cesar Ibrahim lembrou que a professora não é imagem e semelhança da babá que há em casa – quem jamais, inclusive, vai contrariar a criança. Em vista disto, conclamou os educadores à missão de também educar as famílias contemporâneas. “Se a escola não educa as mães e os pais, não consegue educar os filhos. É quase uma questão matemática. Há uma distinção entre atender e entender a demanda das famílias. A função do professor é acolher, é entender, mas não tem que atender a demanda do aluno.”
Nesta perspectiva, o doutor lembrou que os educadores têm a capacidade de compreender essa angústia, mas é imprescindível entender que o sujeito só avançará no desenvolvimento emocional na medida em que exerçam o enfrentamento. “A escola pode entender esse caráter hedonista da juventude. Pode entender a falta de conhecimento, a inquietude e a ansiedade. Aliás, a ansiedade não é uma patologia. A própria existência humana pressupõe a presença da ansiedade. Existir dói! Viver é doloroso! Viver produz alegria e bem-estar, mas a presença da dor é inexorável.”
Por fim, ratificou que, quanto mais excessivo for o exercício da função paterna, menor será a probabilidade de alcoolismo, uso de drogas e disfunção da sexualidade, por exemplo. “Este é o trabalho impetuoso de afastar a barbárie da cultura.”
- Como educar os pais que ainda não amadureceram para ajudar no processo educacional de seus filhos?
É preciso educar pelo exemplo, pelo modelo identificatório, modelo que independe da palavra. A escola tem o papel de destituir o narcisismo dos pais e dos alunos. Entre o discurso e a prática, o que prevalece para a criança é o modelo que os adultos oferecem. É preciso fazer o que dizemos ser o correto.
- Todos nós vivemos esse sentimento de imediatismo. Por exemplo, se o Whatsapp não funciona, as pessoas ficam imediatamente angustiadas. Como ser, portanto, exemplo na hora de aplicar a função paterna, com o uso do rigor e das regras?
Não é uma questão que pode ser ensinada às famílias. Não se trata de uma veiculação de um campo racional para outro. Trata-se de uma questão do campo emocional. Se assim fosse, bastaria colar na porta do armário dos nossos filhos: escove os dentes, meia hora de videogame por dia, entre outras questões. As novas tecnologias e a velocidade da informação são elementos temporais, são do nosso tempo, mas há uma outra parte que é atemporal, a que demanda a presença permanente da função materna. Há, no mundo virtual, momentos em que o entretenimento aplaca a ausência da maternagem. Fica claro que esse objeto transicional (o celular, por exemplo) tem a função de evocar a lembrança do acolhimento materno. Essa dependência dos eletrônicos, que à primeira vista é um instrumento de prazer, está diretamente vinculada àquele processo de simbiose materno-filial. A função paterna consiste na dolorosa frustração do prazer imediato. Imagine a vida sem Whatsapp hoje? A facilidade de comunicação proposta pelo Whatsapp ajuda muito no dia a dia. A questão não é o uso. É o abuso que se faz. Tal como com o álcool, com a sexualidade e com a alimentação. A nossa função não é atender a demanda dos alunos. Não é acolher a demanda dos pais. É preciso dizer: há regra nesta escola, funciona assim. Lamento contrariá-lo, mas estamos preparando o seu filho para a vida tal como ele vai encontrar lá fora.
- Em tempos de redes sociais, a escola consegue constatar adultos entregando atestados médicos falsos em nome de seus filhos, uma vez que publicam fotos em viagem durante aquele período. O senhor falou sobre a necessidade de educar pelo exemplo. No entanto, a escola é obrigada a aceitar o atestado. Como agir em casos como este?
A escola tem que assumir corajosamente a função de educar os pais. Se a família se coloca de uma maneira infantil, a escola deve exercer a função paterna, sob a forma de colocar uma moldura no desgoverno familiar.
- O senhor falou sobre trazer esses pais para dentro das escolas. Nas instituições de ensino, há projetos como o “Escola de Pais”, entretanto, os responsáveis, principalmente dos alunos maiores, não vão. Atualmente, este é um desafio para a Comunicação Educacional. Como conscientizar estes pais sobre a necessidade de concretização da parceria família-escola para o desenvolvimento mental e emocional das crianças e jovens?
Independentemente da participação dos pais nesses eventos, o papel da escola é oferecer o modelo identificatório de uma paternidade que estabelece regras rígidas e que devem ser cobradas da família.
- O senhor falou a respeito de a professora exercer a função materna, a do acolhimento. Neste sentido, espera-se que a função paterna seja desenvolvida, portanto, em casa?
As funções paterna e materna devem ser simultaneamente exercidas tanto pela família quanto pela escola. As duas instituições sociais são responsáveis tanto pelo acolhimento afetivo quanto pelo estabelecimento de normas
- Durante sua palestra, o senhor fala em diferentes momentos sobre a importância do “não”, do enfrentamento, como um exercício de abdicação e de destronamento. Mas e nos casos em que os responsáveis praticam o não vigorosamente? Ou seja, quando privam desmedidamente as crianças de suas vivencias diárias, sejam em grupo ou não, ou então quando antecipam fases relacionadas à responsabilidade, como a de trabalhar no momento em o jovem deveria estar estudando? Neste sentido, quais são as implicações? Que qualidade emocional terá este sujeito?
Eu me preocuparia menos com esses casos. Excesso de rigor pode ser facilmente compensado no futuro com mais afeto. Porém, excesso de permissividade traz consequências eventualmente irreversíveis.
- Na sociedade atual, muitas crianças não têm a presença do pai e/ou da mãe. O senhor disse que as funções materna e paterna não necessariamente estão relacionadas à condição genitora. Isso significa que, se a criança for emocionalmente bem educada, por exemplo, somente pela mãe, a ausência da figura do pai tende a não propiciar disfunções emocionalmente formativas neste sujeito?
Exatamente. O fundamental não é a presença de genitores masculino ou feminino, mas sim o exercício pleno das funções materna e paterna, que podem ser exercidas por qualquer humano independentemente de gênero ou consanguinidade.