No Laboratório de Física do Colégio Farroupilha, em Porto Alegre, a gurizada se organiza rápido para acompanhar os experimentos com o empolgado professor Gentil Bruscato e se enche de orgulho ao falar dos projetos que desenvolve ali e em outras disciplinas. É evidente a inquietação por novas descobertas. Mas quando a pergunta é “você seguiria uma carreira científica?”, a convicção escorrega do olhar dos estudantes e reflete o que uma pesquisa da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) revelou sobre o interesse de jovens brasileiros por seguir uma carreira científica.
O trabalho, intitulado O que os jovens têm a dizer sobre a ciência? Opiniões, interesses e atitudes de estudantes brasileiros e italianos, é a tese de doutorado da pesquisadora Jaqueline Pinafo que será defendida em 30 de junho. Por não terem sido apresentados oficialmente ainda, os dados completos da pesquisa não podem ser divulgados, mas parte deles foi levada pelo professor Nelio Bizzo à reunião magna da Academia Brasileira de Ciência (ABC), que celebrou em maio seus cem anos de atividades, no Rio de Janeiro. Bizzo é coordenador do Núcleo de Pesquisa em Educação, Divulgação e Epistemologia da Evolução Biológica da USP e orientou o trabalho de Jaqueline.
Pelo estudo, entre outras questões, notou-se que não está na perspectiva dos estudantes brasileiros na faixa dos 15 anos seguir uma carreira científica, apesar de demonstrarem interesse pelas aulas de ciência e de o país ter apresentado ações positivas na abordagem científica nas escolas.
A coleta de dados foi feita no primeiro semestre de 2014 em 78 escolas do Brasil e envolveu 2.368 jovens, sendo que temas relacionados com o corpo humano e seus cuidados apareceram na preferência dessa garotada, especialmente entre as meninas. O estudo está ligado a pesquisas desenvolvidas há cerca de 10 anos no núcleo coordenado pelo professor Bizzo de maneira articulada com outros países e tem como base um projeto da Universidade de Oslo, na Noruega. No trabalho de Jaqueline, o recorte dessa avaliação considerou apenas Brasil e Itália, por serem países com características culturais e econômicas bastante semelhantes.
— Há uma situação muito paradoxal demonstrada nesses estudos. Notamos que os jovens que dizem concordar com a possibilidade de seguirem uma carreira científica estão nos países mais pobres, com menor acesso a esses conhecimentos. No Brasil, notamos que isso também ocorre. As regiões com maior PIB per capita têm os maiores índices de rejeição à perspectiva dessas carreiras do que em áreas mais pobres — diz Bizzo.
De acordo com o professor, o paradoxo dessas conclusões é reforçado pelo fato de que nota-se entre os alunos mais admiração pelas aulas de ciências, que estão ganhando em dinamismo, mas isso não é suficiente para levar os jovens a projetar um futuro como cientistas. Bizzo ressalta que esse fenômeno também foi observado anos atrás na Europa e que, aos poucos, os países de lá estão revertendo esse quadro. No entanto, ele vê o panorama brasileiro com mais preocupação, porque observa um declínio do interesse por carreiras com maior tradição científica — o que acarretaria menos mão de obra — e um certo descaso com o problema, que pode ter consequências sérias para o país não só na indústria.
— O próprio agronegócio é hoje altamente tecnológico. É preciso um esforço muito coordenado para reverter isso. Mas a própria dificuldade de financiamento da pesquisas no Brasil já demonstra um descaso — avalia Bizzo.
Por que na ciência ensina-se o que já se conhece se a ciência é descoberta? O questionamento é do professor do laboratório de biologia do Colégio Farroupilha Christian Sperb, que convive diariamente com o desafio de aproximar os estudantes da Educação Básica do universo científico.
Para ele, um dos pontos principais é tornar esse conhecimento mais palpável e inovador, e as escolas estão percebendo a necessidade de trazer esse olhar sobre a ciência e de desenvolvê-lo entre os alunos. Os educadores têm estimulado o conhecimento científico apostando em um sentido prático ao que é discutido em aula, mas isso parece não ser o suficiente para que a garotada encare o tema como uma possível profissão.
No Colégio Santa Inês, também em Porto Alegre, os alunos colecionam projetos de destaque no Salão Jovem UFRGS, iniciativa que promove um intercâmbio de pesquisas desenvolvidas no Ensino Médio. Alunos do 2º ano dessa etapa, Alexandre D’Andrea, Catarina Castilhos e Isabela Parmeggiani, todos com 15 anos, já se destacaram com seus projetos, adoram pesquisar, mas nenhum pensou na ciência como carreira.
Professor de química da instituição, Leonardo De Boita chama a atenção para a falta de divulgação sobre a diversidade de possibilidades profissionais que a ciência oferece, o que também poderia explicar a pouca consideração da garotada em seguir uma carreira na área e, de certa forma, até a falta de estímulos da família para esse caminho.
— Quando se fala de pesquisa científica parece que ela só existe nas Ciências da Natureza, em física, química e matemática, quando, na verdade, ela pode ser desenvolvida em todas as áreas do conhecimento — diz.
Coordenador-geral de Cooperação Nacional do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal financiador de pesquisas em iniciação científica do país, Roberto Muniz Barretto de Carvalho acredita que é exatamente a falta de popularidade do trabalho científico que pode condenar o futuro da ciência do país, não o desinteresse dos estudantes.
Atualmente, o CNPq oferece sete programas de incentivo à iniciação científica envolvendo Ensino Médio e graduação que concedem mais de 42,7 mil bolsas, em parceria com universidades e fundações de amparo à pesquisa. No Rio Grande do Sul, são cerca de 2,8 mil e, de acordo com Carvalho, o interesse supera a capacidade de financiamento.
— O brasileiro tem muita curiosidade pela ciência. É um povo curioso, mas, por outro lado, ele desconhece as instituições que fazem ciência e desconhece o que se faz hoje no país em ciência e tecnologia.
No ano passado, o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) divulgou dados do estudo da série Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil, realizado pelo Centro de Gestão e Estudo Estratégicos (CGEE), organização social supervisionada pela pasta (veja mais no ponto). Na época, a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader, ressaltou o papel da divulgação da produção nacional.
— Muitas vezes, os principais destaques são para o progresso da ciência fora do Brasil. Pouco se fala das conquistas dos nossos cientistas e das nossas instituições. Veículo de comunicação, governo e comunidade científica devem se empenhar na tarefa de popularizar a nossa ciência para atender as expectativas da nossa população — disse na ocasião.
Fonte:ZH Educação