Padre João Mendonça, SDB, coordenador da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC), no Pará, foi um dos participantes no 24º Congresso Interamericano de Educação Católica que aconteceu no início de janeiro, em São Paulo.
Padre João faz um relato das atividades e considerações relevantes sobre o congresso.
Veja a íntegra abaixo:
Os desafios da escola católica no século XXI: um olhar em perspectiva.
De 13 a 15 de janeiro, realizou-se em São Paulo, Colégio São Luís, o 24º. Congresso Interamericano de Educação Católica, promovido pela Conferência Interamericana de Educação Católica (CIEC), em parceria com a Associação Nacional de Educação Católica (ANEC) e outras Instituições dos países Latino Americanos e Caribenhos. Éramos mais de 900 participantes. Qual foi o objetivo? Refletir e propor um caminho novo para a escola católica no século XXI. Uma proposta ousada, devido a diversidade do continente. Desde logo, no meu ponto de vista não alcançamos o objetivo de forma satisfatória porque a metodologia utilizada não foi feliz. Faltou organizar grupos de debates, oficinas para aprofundar propostas, inclusive uma carta de intenções. Terminamos o congresso sem uma visão de conjunto produzida pelos participantes. O que passo a relatar, portanto, é uma visão minha com reações aos aspectos mais relevantes que consegui refletir.
Tivemos cinco grandes palestras:
- O pensamento do papa Francisco sobre a educação (Dom João Justino de Medeiros Silva – presidente da comissão de cultura da CNBB).
- Em que contexto educa a escola católica no século XXI na América? (Irmão Carlos Gómez Restrepo, fsc).
- Quais mudanças e melhoras devem acontecer na educação católica na América do século XXI? (Ir. Monserrat del Pozo, fsfn).
- Qual o novo papel a ser assumido pelos sujeitos da escola católica na América?
- Como deve ser a proposta educacional evangelizadora da escola católica na América? (Ir. Juan Antonio Ojeda, fsc – diretor acadêmico da OIEC).
Outros temas foram apresentados em forma de experiências por vários países. Infelizmente com pouca participação ativa dos congressistas. Algumas propostas são fundamentais para enfrentar o tema da escola hoje. Acredito, no entanto, que é preciso abrir horizontes de encontro, como nos falou em mensagem o papa Francisco. Uma escola capaz de assumir os riscos para poder inovar, sair do lugar do conforto, formar melhor os educadores, não se preocupar tanto em criar valores, mas saber onde os valores estão emergindo. A escola não pode se omitir de investir nos educadores. Não será possível resolver todas as questões que surgem, mas podemos escutá-las e refletir sobre elas com clareza.
Neste sentido, a conferência segunda, sobre o contexto da escola católica, elaborada pelo irmão Carlos Gómez, Lassalista da Colômbia, foi iluminadora e ousada. Deixou-nos a sensação de que a questão não é tanto de quantidade de escolas ou de alunos, mas da qualidade da escola como agente transformador da realidade, inovadora, no contexto plural, como é o do nosso continente, e em nossos países.
Ficou claro para mim que é preciso investir na formação cientifica dos nossos educadores, sobretudo nas ciências da educação, para abrir novas perspectivas para a educação católica. Contudo, temos que nos perguntar sobre o desafio da escola católica de hoje. Para bem da verdade, afirmou Calos Gómez, o desafio somos nós mesmos. A mudança de mentalidade começa em nós, a capacidade de sair do lugar de conforto começa em nós. Precisamos recuperar o ânimo, a coragem de unir forças e mudar o paradigma da escola do século XXI. Faz-se urgente gerar uma escola de qualidade, quer dizer, capaz de evangelizar, capaz de mergulhar na cultura do encontro e vencer a mesmice.
Para tanto, segundo a conferência da irmã Monserrat del Pozo, é preciso cuidar de todos os recursos educativos para que todos tenham os mesmos direitos e deveres. Para tanto, faz-se urgente algumas transformações em nosso agir como escola:
- Reformular o estilo de currículo, avaliação e pedagogia à luz das inteligências múltiplas;
- A metodologia deve ter o aluno como centro e não ouvinte;
- Redefinir o papel do educador e do aluno no processo de aprendizagem;
- Organizar a equipe de gestão para que seja capaz de desenvolver os processos educativos;
- Criar espaços educativos como ambiente de ampla proposta e de relações;
Esta conferência, fundamentada numa experiência concreta, abriu expectativas e pode mexer com nossas práticas, inclusive diante da era digital, pois com o uso das ferramentas digitais será necessário mudar o paradigma relacional e metodológico.
Na sequencia tivemos a temática sobre a relação família e escola, pessoalmente tinha grande expectativa, contudo foi fraca demais. No trabalho com as famílias é preciso saber construir no coletivo, pois é importante na ação educativa o trabalho de grupo, a cooperação, o sentido de equipe, superar o individualismo, portanto, uma ruptura com um modelo de família que considera a escola como um deposito dos filhos e, por sua vez, da escola como ação divorciada da família. Temos que aprender a viver numa escola viva, alegre, participativa, verdadeiro pátio de encontro. Isto gera confiança e a confiança, já dizia Dom Bosco, gera espirito de família.
O padre João Ojeda, membro da OIEC (Organização Interamericana de Educação Católica), trouxe-nos o tema do papel dos sujeitos na escola católica. Para mim foi um dos grandes momentos de mergulho na proposta do congresso porque mostrou o que é ser pessoa dentro da estrutura escola. É fundamental confiar nas pessoas; isto me fez lembrar a carta de Roma de 1888. Nela, Dom Bosco recorda aos jovens e aos salesianos, o valor da confiança.
Com isto assumimos também um risco, porque geramos autonomia, damos asas à criatividade. Entretanto, esta relação gera a paixão educativa, criatividade, colaboração e iniciativa pedagógica. Por outro lado, é preciso eliminar a submissão dos agentes, a busca de talentosas pessoas fundamentados apenas nos títulos acadêmicos. Temos que reinventar a escola enquanto organização e gestão partilhada. A liderança se exerce com humildade e sem medo de errar, como nos ensina hoje papa Francisco. Inclusive a forma de colaboração não pode ser hierárquica – vertical – mas redárquica – circular, onde todos são valorizados e colaboram para o projeto comum da escola. É preciso mudar o controle pela confiança através da inteligência coletiva, ou seja, a capacidade de diálogo e da busca do consenso entre todos. Nunca, porém, a imposição de ideias. Para tanto, temos que criar espaços cooperativos, quer dizer, saber trabalhar em rede de tal forma que o todo saiba colaborar com as partes. Por conseguinte, é urgente que os sujeitos se conheçam, que saibam realizar ações conjuntas, compartilhem recursos, saibam elaborar projetos comuns e criem redes de ações significativas.
Na base desta reflexão está a questão da descentralização do poder na escola. Quando descentralizamos as ações educativas, quando o gestor não se torna a única referência e poder absoluto, então, criamos espaços cooperativos. É preciso, portanto, romper com o centralismo na gestão da escola católica.
Percebi em todos os diálogos, sobretudo nos países de língua castellana, que a herança evangelizadora na escola ainda é muito forte. No Brasil, perdemos um pouco este elo da educação evangelização. Fomos cedendo a um processo laicizante, competitivo e mercadológico, que jogou os processos de evangelização para segundo plano. Nisto precisamos refletir e, quem sabe retroceder, porque erramos. A ação evangelizadora na escola vai muito além da catequese, da missa, do ensino religioso. Trata-se do resultado do anúncio da pessoa de Jesus Cristo abrindo a escola a experiências do transcendente. A ninguém podemos negar esta oportunidade. Que a pessoa se negue, tudo bem, mas que nós nos omitamos de proporcionar o valor da religiosidade, ai sim há problema.
A conferência do padre brasileiro Vitor Mendes, sobre evangelização na escola, trouxe-nos uma mudança total de paradigma, inclusive do ambiente do congresso. Saímos da atitude passiva da escuta para a interação com ele. Foi muito agradável. Ele nos apresentou que vivemos uma crise na Igreja católica e a mesma respinga na vida religiosa, por tanto na escola. É uma crise de identidade. A mudança, portanto, se configura em três novas realidades:
- Geográfica: um papa que veio quase do fim do mundo tirou a Igreja do seu centro europeu. Isto significa que a periferia virou centro. É significativo que Francisco vai às periferias do mundo e colabora na mudança de perspectivas e das tensões geopolíticas;
- Epistemológica: a produção do conhecimento na escola não pode ser da mera repetição de conteúdos, mas da descoberta de sentido dos fatos. O conhecimento se produzirá na medida em que for objetivo de pesquisa e de aprofundamento do seu significado;
- Pedagógico: a questão pedagógica não é tanto de conteúdo a ser transmitido, mas a forma como este conteúdo é produzido e redescoberto. Francisco não mudou a doutrina, mas sim a forma de apresenta-la ao mundo. Isto é uma nova pedagogia. Uma verdadeira reforma.
Portanto, enfrentar a crise da escola só será possível com a mudança de nossas práticas. Temos que nos perguntar: como imaginar a escola católica em contextos diversos? Nossa linguagem na escola nos introduz no dinamismo do mercado ou da evangelização? Os desafios são grandes, mas não são intransponíveis. Faz-se urgente repensar o projeto pedagógico. Há que se discutir a forma como a escola católica ajuda na visão de mundo com os critérios da justiça, da fraternidade, da igualdade, da solidariedade, da casa comum.
O que ficou para mim deste congresso? Em cinco pontos eu sintetizo minhas esperanças:
- A descentralização do poder na escola. Dar a cada um e a todos a força da colaboração;
- Cuidar dos recursos educativos: avaliação, metodologia, conteúdos, organização;
- Acreditar e investir na formação e qualificação dos educadores;
- Vencer nossos medos de arriscar, ser escola em saída, parceira;
- Seguir os passos de Francisco para sair do lugar geográfico, investir numa nova epistemologia e pedagogia criativa.
Pe. João Mendonça, sdb