Durante o III Encontro Brasileiro de Universitários Cristãos (EBRUC), realizado em Colatina/ES, entre os dias 10 e 12/10, a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC) ofereceu a Oficina “IES Católicas – Caminho de Articulação e Rede“, na qual aprofundou o Caminho de Emaús (Lc 24,13-35) e os documentos norteadores para a ação evangelizadora no âmbito universitário, Ex Corde Ecclesiae e Estudo 102 da CNBB.
Compartilhamos com todos a reflexão bíblica realizada dentro da Oficina, por nosso colaborador Geovani Santos (ANEC em Rio Grande do Norte).
O Caminho de Emaús: Reflexões para uma nova práxis educativa e pastoral
Por Giovani Santos, secretário estadual da ANEC no Rio Grande do Norte.
No texto que o Evangelista Lucas narra o caminho dos discípulos de Emaús (Lc. 24,13-35), Jesus nos revela de forma muito profunda qual é a verdadeira mística que deve iluminar a nossa ação educativa e pastoral. Ele não expõe qualquer teoria, nem tampouco se utiliza de longos discursos. Ao contrário, ensina-nos a partir de sua práxis, de suas atitudes e de uma postura concreta. Neste sentido, importa-nos dar atenção especial para alguns aspectos destacados a seguir.
Primeiro, é importante observar que “(…) dois discípulos estavam a caminho…” (v. 13). Eram dois, portanto, um grupo, uma comunidade. É neste lugar – comunidade – que vivenciamos o encontro com Cristo e aprendemos com Ele. E a comunidade é dinâmica, está em movimento, caminhando em direção a um lugar ou a algo. Essas primeiras linhas nos provocam a pensar no quão importante e necessário é estarmos atentos a nossas comunidades, acompanhando o seu caminho, seus passos e sobretudo a direção para onde se está caminhando.
Do mesmo modo, é indispensável perceber que “Os discípulos falavam do que tinha acontecido” (v. 14). A comunidade não é apenas um ideal abstrato ou uma metáfora teológica. Trata-se de uma realidade humana, e que como tal, está situada num momento/lugar histórico, social e cultural próprios. Por isso os discípulos falam de acontecimentos concretos, daquilo que vivenciaram e do que participaram. É esta concretude da vida que lhes toca e lhes inquieta. Da mesma forma, os jovens em nossos dias se sentem provocados e incomodados diante das realidades que vivem. É preciso pois se apropriar dessas realidades e compreendê-las, para então buscar respostas assertivas para os desafios e dilemas que se apresentam.
Então, “enquanto discutiam, o próprio Jesus se aproximou, e começou a caminhar com eles” (v. 15). Aqui talvez esteja a parte mais importante de toda a nossa reflexão. Jesus não espera, toma a iniciativa e vai, Ele próprio, ao encontro dos discípulos. Aproxima-se, sensibiliza-se e compreende as suas necessidades. E por isso, começa a caminhar com eles, acompanhando-os lado a lado, no mesmo passo e no mesmo diálogo, tornando-se parte daquela comunidade. E para isto, Ele não hesita em enfrentar o caminho longo.
Oxalá que nós, no nosso fazer cotidiano, tenhamos essa mesma atitude de cuidado, essa mesma iniciativa e o mesmo compromisso. Precisamos sair de nós mesmos, e ir ao encontro do outro, como nos provoca Papa Francisco. Caminharjunto com, partilhando as alegrias, dores e necessidades, construindo e vivendo uma verdadeira comunhão. Somente quando fizemos parte do outro é que o outro fará parte de nós.
Apesar da atitude de Jesus e da sua aproximação, “os discípulos estavam como cegos, não o reconheceram” (v. 16). Assim também ocorre na sociedade atual, num primeiro momento, a comunidade, as pessoas, tendem a não reconhecer-nos, nem a mensagem que anunciamos. Porém, com Jesus aprendemos que esse reconhecimento não pode ser uma imposição. Ao contrário, ele se dá naturalmente ao longo do caminho, desde que nos ponhamos a caminhar com fé e coragem.
“Então, Jesus perguntou-lhes…” (v. 17). Não sendo reconhecido, Jesus questiona os discípulos, mostra interesse por aquilo que os aflige, e escuta-os atentamente. Antes de falar, o Mestre ouve tudo o que os discípulos têm a dizer, compreende-os profundamente em suas angústias e necessidades. Somente então, Ele fala. Percebemos aqui que é preciso aprender e exercitar a escuta, de forma atenta e significativa. Não se trata de cumprir um mero protocolo por educação ou formalidade. Trata-se de valorizar o outro na sua expressão, sua história, seu modo de pensar, ser e viver. Escutar é atitude fundamental para compreender e atuar com sabedoria frente a realidade do outro.
Após entender os discípulos, diante de suas aflições, “Jesus lhes disse…” (v. 25). Depois da escuta, Jesus fala. Ele identifica e compreende a tristeza dos discípulos, que estão abalados na sua fé. Ele porém, ao invés de julgar e condenar os discípulos por conta de sua fraqueza e se sua descrença, provoca-os para que eles mesmos percebam e entendam o porquê de tudo que tinha ocorrido. Assim, Jesus “explicou-lhes as Sagradas Escrituras” (v. 27), fazendo memória de todo o caminho do povo de Deus, revelando o seu sentido pleno e mais verdadeiro.
Nas nossas comunidades, em meio a tantos conflitos e diferenças, encontramos também jovens perdidos e confusos na vivência de sua fé. No entanto, Jesus mostra que não devemos condená-los. Devemos antes compreender, e dar possibilidades para que todos possam reconhecer-se, para que consigam enxergar a própria realidade, entendo-a e assumindo posturas proféticas diante dela. Neste sentido, assim como o foram para Jesus, as Sagradas Escrituras são a fonte inesgotável de iluminação para o nosso caminhar.
“Ao se aproximarem do lugar aonde iam, Jesus fez que ia adiante. Mas eles insistiram dizendo: fica conosco…” (v. 28-29). Chegando a Emaús, Jesus faz de conta que vai mais adiante. Ele não se coloca como presença obrigatória diante dos discípulos, não se impõe como necessário para eles. Pelo contrário, Ele respeita a liberdade de escolha dos discípulos. E estes, uma vez iluminados pelo Mestre, querem e pedem que Jesus permaneça com eles, para que mais possam aprender e conviver. Do mesmo modo, em nossas comunidades, não devemos impor à nós mesmos. Precisamos antes de tudo respeitar o tempo e a autonomia do outro. E saber respeitar com trabalho e paciência o momento em que nos reconheçam.
Estando juntos, partilhando a vida, Jesus se revela aos discípulos: “Então eles abriram os olhos e o reconheceram…” (v. 31). Ao redor da mesa e na divisão do pão, os discípulos reconhecem o Mestre. Jesus não se revela ao acaso. Ele utiliza algo que os discípulos experimentaram, para recordar vivências e reconstruir com eles sentidos de vida. Assim também nós, devemos lançar mão das coisas que são significativas para a comunidade com a qual trabalhamos. Não basta que as coisas tenham sentido para nós, é necessário que o tenham para eles.
“(…) mas Ele desapareceu” (v. 31). Uma vez comprida a missão, Jesus sabe que é hora de se retirar, para dar espaço à ação dos discípulos, que agora estão preparados e animados para a missão. Ele nos ensina que não devemos nos apegar a lugar algum, pois a missão nos chama sempre ao novo, às novas experiências, e nos põe sempre em atitude de saída. Além disso, aqui também aprendemos o quão necessário é assegurar a autonomia e o protagonismo do outro. Jesus não mandou que os discípulos fizessem nada, mas confiou que eles fariam, e lhes deu espaço e oportunidade para tal.
Por fim, “(…) voltaram para Jerusalém” (v. 33). Os discípulos saem, colocam-se a caminho, ao encontro dos outros da comunidade, vão para anunciar a boa nova! Este é resultado do verdadeiro encontro com Cristo. Quem vive a experiência do Bem, não a guarda para si mesmo nem tampouco para o seu grupo em particular, mas sente-se impelido à dividir com todos. Da mesma forma, o resultado do nosso trabalho não pode findar-se apenas em nós mesmos ou em nossos grupos. Deve reverberar em todos os espaços onde estivermos e para todas as pessoas com as quais temos contato. Jesus nos provoca e nos ensina a ser “sal” da terra inteira, e “luz” para todo o mundo. Sigamos pois, juntos e juntas, essa mística de Emaús, manifestada e alimentada, sobretudo, com o testemunho de nossas vidas.