O escritor Rubem Alves, morreu no fim da manhã deste sábado (19) em decorrência de falência múltipla de órgãos, segundo o Centro Médico de Campinas (SP). O educador deu entrada no hospital com quadro de insuficiência respiratória devido a uma pneumonia e estava internado desde o dia 10 de julho na Unidade de Terapia Intensiva (UTI)
Além de escritor, Alves era educador, teólogo, psicanalista e professor. Lançou mais de 120 livros, a maioria sobre religião e educação, além de uma série de obras infantis.
Educador
Sobre a paixão pela educação escreveu: “Educar não é ensinar matemática, física, química, geografia, português. Essas coisas podem ser aprendidas nos livros e nos computadores. Dispensam a presença do educador. Educar é outra coisa. […] A primeira tarefa da educação é ensinar a ver. […] Quem vê bem nunca fica entediado com a vida. O educador aponta e sorri – e contempla os olhos do discípulo. Quando seus olhos sorriem, ele se sente feliz. Estão vendo a mesma coisa. Quando digo que minha paixão é a educação estou dizendo que desejo ter a alegria de ver os olhos dos meus discípulos, especialmente os olhos das crianças”.
Alves defendeu que a educação no Brasil deveria passar por mudanças. “Na educação a coisa mais deletéria na relação do professor com o aluno é dar a resposta. Ele tem que provocar a curiosidade e a pesquisa”.
Renovação no pensamento teológico
Considerado um expoente na renovação do pensamento teológico da América Latina, através da linha de pensamento conhecida como Teologia da Libertação, Rubem Alves nasceu em 15 de setembro de 1933, em Dores da Boa Esperança, uma pequena cidade do Sul de Minas Gerais. Educado por uma família protestante, começou a estudar teologia no seminário Presbiteriano do Sul, e atuou como pastor presbiteriano na cidade mineira de Lavras até que, em 1963, deixou o Brasil e foi estudar nos Estados Unidos. Em Nova York, assumiu as cadeiras da Universidade de Princeton, de onde retornou, cinco anos mais tarde, como doutor em Filosofia e com seu primeiro livro em inglês, “A theology of human hope”, publicada nos Estados Unidos em 1969 e no Brasil em 1987, com o título “Da esperança”.
— Esta obra é um marco inicial da teologia da libertação. Alves foi o primeiro a escrever a fundo sobre o tema, antes do Gustavo Gutiérrez — diz o teólogo Leonardo Boff, referindo-se ao peruano que é considerado um dos precursores da Teologia da Libertação.
Com mais de 160 obras publicadas nas mais variadas disciplinas do pensamento — teologia, filosofia, pedagogia, psicologia — e da literatura — da crônica à poesia —, Alves foi traduzido em mais de dez idiomas e chegou a alcançar boas vendagens e reconhecimento no mercado editorial brasileiro. Amigo pessoal e responsável pela publicação de boa parte da obra escrita por Alves entre os anos 1960 e 1980, pela editora Vozes, Boff ressalta a importância da contribuição intelectual de Alves nos campos da teologia, da pedagogia e da psicanálise.
— Um dos traços fundamentais da abordagem de Alves em relação à teologia da libertação foi o entendimento de que essa linha de pensamento deveria ser complementada por dois processos, o psicanalítico e o pedagógico. A partir daí ele escreveu uma profusão de obras fundamentais, dentre as quais eu destaco “A teologia da esperança” e “O enigma da religião”.
Para Alves, nenhuma libertação era possível se pensada apenas sob o âmbito político ou socioeconômico.
— A verdadeira libertação viria de um acesso à interioridade, via psicanálise, e por uma educação focada na criação de autonomia de pensamento e visão de mundo — diz Boff. — Ele reagia à educação convencional. Dizia que não educava as pessoas para a vida, mas para o mercado. Via a escola como uma chocadeira do sistema. Ele sonhava como uma educação criativa, em que as pessoas não usassem esquemas, mas criassem os seus próprios sistemas.
O sociólogo Jether Pereira Ramalho diz que Alves defendia “a importância do humanismo na religião, na educação e na poesia”.
— A teologia de Alves é eminentemente ecumênica, não pertence a nenhum grupo religioso de forma isolada. Ela representa a esperança de melhores situações aos pobres e aos pequenos.
Filosofia e educação
No campo da filosofia da ciência e da educação, destacam-se obras como “Por uma educação romântica”, “A pedagogia dos caracóis”, “Escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir”, entre outras. Pela Edições Loyola, Alves publicou dois importantes livros centrados na tensão entre os conceitos de ciência e a sabedoria, como “Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação” (1999) e “Filosofia da ciência” (2000). No primeiro, estrutura uma contundente crítica à educação baseada na aprendizagem científica. Defensor de uma pedagogia focada no estímulo à criação e à invenção de sonhos escreveu: “As escolas se dedicam a ensinar os saberes científicos, visto que sua ideologia científica lhes proíbe lidar com os sonhos, coisa romântica! É assustadora a incapacidade das escolas de criar sonhos!”. Já em “Filosofia da ciência”, desmistifica a persona do cientista como detentor do conhecimento e verdades absolutas: “Antes de mais nada, é necessário acabar com o mito de que o cientista é uma pessoa que pensa melhor do que as outras”, escreveu.
Responsável pela publicação de um de seus best-sellers, “Variações sobre o prazer”, a editora Planeta emitiu uma nota oficial enaltecendo o compromisso do autor com o ensino: “Alves nasceu para transmitir sabedoria e conhecimento. Ele era muito mais que escritor, era um sábio, um filósofo que compartilhou textos, experiências e caminhos para sermos felizes e entendermos um pouco mais da vida”.
Em suas crônicas, poesias e livros infanto-juvenis, Alves compartilhava apreço semelhante ao do poeta Manoel de Barros pelos elementos “desimportantes” ou “banais” da vida, e defendia que a “experiência poética não é ver coisas grandiosas que ninguém mais vê. É ver o absolutamente banal, que está bem diante do nariz, sob uma luz diferente”.
Fonte: Portal G1