A educação pública no Brasil está encolhendo, enquanto a rede de ensino privada cresce ano após ano. Os dados do Censo da Educação Básica de 2013, divulgados anteontem, mostram que o número de alunos matriculados em escolas particulares subiu 14% de 2010 a 2013, passando de 7,5 milhões para 8,6 milhões. No mesmo período, a quantidade de estudantes em instituições públicas recuou 5,8%, caindo de 43,9 milhões para 41,4 milhões.
Em 2010, havia 51,5 milhões de estudantes no ensino básico. Desse total, 85,3% eram de matrículas na rede pública. Hoje, as escolas públicas ainda educam a grande maioria dos alunos, mas o percentual caiu para 82,8% das atuais 50 milhões de matrículas no ensino básico nacional.
Para o o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, essa tendência é explicada pela ascensão da nova classe média, que, diante dos problemas da educação pública no país, matricula seus filhos em instituições particulares. De acordo com o especialista, esse fenômeno acaba por prejudicar ainda mais as famílias de menor renda, relegadas ao estudo no sistema público, esquecido e carente de investimentos.
“À medida que as famílias da classe C ganham renda, elas tiram seus filhos da escola pública, pensando que, em escolas particulares, o ensino estará garantido e terá melhor qualidade, o que nem sempre é verdade”, explica Cara, que defende ainda o apoio técnico e financeiro do governo federal a estados e municípios.
Em quase todas as unidades da federação, a rede pública encolheu e a privada avançou. Em Roraima, por exemplo, o número de matrículas em escolas privadas aumentou 42,6%, enquanto o ensino público cresceu apenas 0,7%. Na Bahia, a quantidade de estudantes pagando mensalidades saltou 20,5%, ao passo que, nas instituições dos governos, a queda foi de 7,8%. O Rio de Janeiro é o estado onde se verifica a maior perda de matrículas no ensino público: 11,8% de 2010 para 2013. No mesmo período, a rede particular aumentou 21,3%. O Acre foi o único estado onde houve retração do ensino privado (2,1%).
De acordo com o coordenador, ainda falta mais cobrança por parte da população em geral para um ensino público de excelência:
“Somente quando a população em geral começar a cobrar por um ensino público de qualidade, ao invés de concentrar investimentos no setor privado, é que o Brasil terá escolas municipais estaduais de excelência. Se os filhos da classe média e da elite estivessem matriculados em uma escola pública, talvez essas unidades seriam um pouco melhores do que são hoje”, resume Cara.
O Censo não forneceu os dados das diversas etapas do ensino divididos entre as redes públicas e privadas. Assim, não há como saber se há uma fase da formação puxando essa queda nas matrículas de escolas públicas. Segundo a pesquisa, de 2012 para 2013, o número total de estudantes subiu nas creches (7,5%) e na pré-escola (2,2%). Nos primeiros anos do ensino fundamental, houve queda de 1,5% e, nos anos finais, redução de 2,8%. Já no ensino médio, a retração foi de 0,7%.
Ensino médio preocupa
De acordo com o Ministério da Educação, os dados do ensino fundamental indicam estabilidade e queda nas taxas de reprovação. Entretanto, a diminuição de matrículas no ensino médio expõe um dos grandes problemas da educação nacional. Muitos alunos abandonam a escola nesse período, e as políticas públicas não estão surtindo o efeito desejado para evitar essa evasão.
De 2010 a 2013, houve queda de 0,5% no total de matrículas do ensino médio nacional. Analisando dados por estados, verifica-se que esse movimento varia muito. Enquanto Piauí e Pernambuco registraram as retrações mais acentuadas (11,5% e 10%, respectivamente), Roraima, Acre e Amazonas tiveram as maiores expansões nas matrículas do ensino médio, de 18,7%, 14,9% e 14,3% respectivamente.
Em quatro anos, o Rio teve queda de 4,3% nas matrículas do ensino médio. De acordo com o secretário Estadual de Educação, Wilson Risolia, o governo fluminense já vinha acompanhando a tendência. Segundo ele, o abandono das escolas por parte dos alunos explicam o declíno, o que levou o estado a adotar medidas pedagógicas e a investir em políticas assistenciais.
Risolia cita, por exemplo, que os alunos com chances de repetência vêm recebendo aulas de reforço. Se, no final de 2010, esse benfício atingia apenas 4% dos estudantes, hoje, alcança 25% dos alunos, de acordo com o secretário. Ele também menciona o programa Renda Melhor Jovem, que fornece uma espécie de poupança aos estudantes para que eles não deixem a escola a fim de buscar um emprego.
“Temos que tornar o ensino médio mais útil para a vida deles. Do contrário, com toda certeza, muitos vão abandonar”, comenta Risolia.
Para Risolia, grande parte da explicação para o abandono da evasão na última etapa do ensino básico se deve ao currículo, que precisaria ser reformado. Segundo ele, uma das saídas para despertar o interesse dos jovens pelo estudo reside na ampliação da carga horária das aulas, além de uma abordagem pedagógica mais integrada com outras áreas do conhecimento. Ele lembrou que o estado do Rio tem como meta transformar 100% da rede estadual em ensino integrado, onde o aluno permanece na escola das 7h às 17h.
“Hoje nós temos que repassar um conteúdo de 13 disciplinas em apenas 4h horas diárias, cinco dias por semana. É impossível, mas com a escola de tempo integral, o aluno não só estuda a matéria de Física, por exemplo, mas também tem tempo para aprender onde todos aqueles conceitos físicos são aplicados”.
Fonte: O Globo