Em artigo, Padre Nelito Dornelas, assessor da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, fala sobre a vocação para o amor:
O cristão é um apaixonado, envolvido numa loucura de amor. Sei que é difícil para muitos compreenderem esta linguagem, mas esta afirmação coincide com a experiência dos místicos. São Luís de Montfort se considerava um “louco de Deus”. A Sulamita do Cântico dos cânticos estava “ferida de amor”. São João da Cruz exclama: “oh chama de amor viva, que ternamente feres da minha alma o mais profundo ponto!”
Quando falo de paixão estou me referindo às características próprias do amor, pois o amor é exigente, suave, incisivo, penetrante e terno, incandescente como o fogo do julgamento e faz transbordar o óleo da cura, do comprometimento e do perdão. Como pode alguém ser um portador do amor, pois “Deus é amor”, se não for uma pessoa marcada pela paixão?
É pelo fato de se ter a experiência de ser amado por Deus, que o cristão tem a consciência de ser, também ele, um pecador, porque ninguém ama de modo transparente e perfeito. Já nos alertava o apóstolo Paulo: “o amor de Cristo nos constrange”.
Conta-se que Pedro, depois da negação de Cristo, fugia envergonhado. Jesus, depois de ter passado pelo suplício da cruz, corre atrás de Pedro. Ao alcança-lo, Pedro não consegue mais encará-lo e se confessa um fracassado por não ter conseguido ser fiel no seu amor. Jesus o adverte: você não é um fracassado, Pedro. Eu não o escolhi para testemunhar seu amor por mim, mas o meu amor por ti e, através de ti, pela minha igreja e pela humanidade. Nisso não há fracasso, pois eu fui fiel até ao extremo de entregar minha vida. Vá e confirme os meus e os teus irmãos no amor e na fé, testemunhando a fidelidade do meu amor.
Quem se enveredar pelo caminho do amor acaba descobrindo a presença do pecado em sua vida, pois não há relação amorosa perfeita. O pecado indica o fracasso do nosso amor e nos permite saborear a graça do perdão e da misericórdia divinas. As pessoas apaixonadas sabem o que é traição e perdão, por isso, ser vocacionado ao amor é expor-se à mais profunda experiência do pecado e do perdão.
A vocação à vida cristã é como a Divina Comédia de Dante Alighieri, composta de três partes: inferno, purgatório e paraíso. São dez círculos pelos quais percorremos para alcançarmos o paraíso. Ao chegarmos ao nono círculo já encontramos o céu cristalino. Nesta esfera observa-se um ponto luminoso em torno do qual vão girando nove círculos, que estão em relação com as esferas do mundo sensível. O décimo círculo, onde estão os Bem-aventurados, formando, como pétalas, uma rosa – a cândida rosa – contempla-se a grandeza e a glória do Paraíso conquistada por quem pautou sua vida pela aventura do amor.
Eis a razão pela qual a vocação para o amor guarda dentro de si traços profundos do mistério e, lá bem no centro, uma explosão indizível de alegria. Tornar-se cristão é a maior graça. Digo tornar-se, porque já nos alertava Tertuliano, o cristão não nasce, ele se faz.
Sejamos, pois, pessoas transfiguradas que contribuem na transformação do mundo, vivendo na consciência de que cada qual sabe “a dor e a delícia de ser o que se é”, como canta o poeta Caetano Veloso.